segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Insatisfeito

Troublemaker - Nick Ray McCann


Já fazem meses desde a fissura latente, mas não lhe darei os créditos por roubar o meu sentir. Algo deu muito errado no processo que me formou. Me tornei casca grossa.

Nada me cansa o suficiente, não costumo suar. Pareço ter uma resistência a dor fora do comum, é o que me disseram quando arranquei os quatro sisos de uma vez. Nunca chorei por um livro, ou um filme de romance ou drama. Na procura por uma crença, me tornei cético e perdi todos os medos que nos tornam humanos, o diabo está de prova. No primeiro gole inocente de um uísque dos fortes, sequer fiz careta. Já dormi dias no chão, passei dias sem comer, ou mesmo dormir.
E nada. Vivo como uma alma penada.

E você está ai, vívida. Não consigo entendê-la. Como pode viver esse cinismo hedonista? Esse brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Não que eu não chore, não me emocione ou viva. Já me perdi em sentimentos demais, geralmente se manifestam em fixações obsessivas. Mas não mais. Agora nada satisfaz.
Uma lágrima escorre pelo hematoma roxo amarelado na maça do rosto.
E nada sinto.

Seu corpo em exercício intenso, tornam sua alva pele em um rubro manchado. Tão delicado quanto uma gema sangrenta, fluindo misteriosamente. Quase como uma reação alérgica ao prazer, ou a dor.
Faço um corte superficial, deixando deslizar o rubro néctar.
E nada sinto.

Seu olhar sempre fora pura fúria, ou total indiferença. Até mesmo seu amor, era uma manifestação da sua odiosa natureza. E seu perdão, parte do seu rotineiro desprezo.
Com um corte mais firme retiro a pele tal como a manga de uma camiseta, deixando a carne exposta em toda sua majestosa viscosidade.
E nada sinto.

Sua voz, macia feito um coração de alcachofra, é repugnante sem o tempero de suas emoções mais intensas. Sempre me arrepiou.
A cada peça de músculo que removo, misturada com ligamentos expõe os nervos, que traduzem como eu sempre me senti. Exposto, sensível.
Sensível como meu sexo, lhe usando a meu bel prazer, enquanto toco sua carne tenra.
E nada sinto.

Engulo, pouco a pouco, o sabor do seu pecado, assim como sempre engoli suas ofensas. Praticamente um esqueleto convulsivo. Já não parecemos tão diferentes. As tripas não possuem a assinatura de sua personalidade e fica difícil ouvir seus gritos enquanto se engasga em sangue.
E nada sinto.

De estômago cheio, me sinto igualmente vazio e não alcancei satisfação alguma. Simplesmente não consigo sentir, talvez seja melhor assim. Talvez você seja a culpada, mas então estamos quites. Aposto que não lhe sobrou muito...
o que sentir.

Sinto muito.

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